Nosso correspondente esteve em Santa Rita de 2036 e conta o que viu

Era um dia de sol e poucas nuvens. Mal desembarcou duas décadas à frente, nosso correspondente encontrou um movimento incomum, nos arredores da estação ferroviária. Havia uma locomotiva e um par de trilhos sobre um jardim gramado, atrás do prédio da Rede Mineira de Viação. No pouco tempo em que lá esteve, viu quando dois ou três viajantes estacionaram no pátio do “Terminal Rodoviário Sebastião Marcelino”, bem ao lado, e adentraram a estação em busca de informações sobre a cidade. O centro de artesanato havia sido reativado. Vendia cachaça do Bom Retiro, café, bolos, biscoitos, obras de artistas locais e lembranças do município com pouco mais de 60 mil habitantes.

Nosso repórter soube, através de um mapa com ilustrações turísticas das redondezas, que a pracinha da cadeia também havia se transformado. A princípio, a fotografia parecia criar um retrospecto de como fora aquele local no passado. Somente quando lá chegou pode acreditar na obra promovida por um prefeito de ideias avançadas. O homem havia ignorado as críticas sobre a necessidade de se construir um prédio similar ao antigo mercado. Quitandas e açougues deram lugar a boutiques, lanchonetes, lojas de doces, licores e bebidas, em torno de um vistoso chafariz. Com o lucro dos aluguéis pagou o financiamento e deu vida ao bairro. A instalação da Secretaria de Educação, no piso superior, trouxe economia no aluguel. Nosso repórter esperava avançar no tempo para encontrar empreendimentos futuristas e aquele prédio proporcionou encanto e admiração. Havia um calçadão ao seu lado, com mesas e quiosques de um bar tradicional. Soube que aquele havia se tornado um dos pontos preferidos da cidade. Estava pau a pau com a rua Antônio Moreira, que tornara-se ponto de elegantes bares e restaurantes.

Aquela, entretanto, não seria a única atividade que o nosso repórter viu e que aqueceu o comércio local, nas décadas posteriores. Na entrada da Santa, construíram um cômodo próximo ao Placar e colocaram um letreiro em neon, com os dizeres “Casa do Pão Cheio”, em letras garrafais. Do mesmo modo como acontece na “capital do pé de moleque”, carros e mais carros estacionavam em um pátio em frente à loja, para comprar o produto que só existe aqui. Quem passava pelo local, não resistia ao cheiro de pão saído do forno e filas se formavam para adquirir o produto.

Nosso correspondente subiu o velho morro do cruzeiro para ver o que havia mudado no geral e percebeu que o antigo Talent havia se transformado em Cassino. Foi comprado por um grupo Árabe, em parceria com o Rogerão (que ficou com o bar de cima), quando liberaram a jogatina no país. Em frente à velha cruz, construíram um pequeno mirante. Havia bebedouro, banheiros e um telescópio que liberava a visão mediante o pagamento de dois Muelas.
O turismo parecia mesmo ter ganhado importância na vida daquelas pessoas. Santa Rita tomou conhecimento de que poderia mapear o que há de bom na região e chamou pra si a responsabilidade de atrair visitantes que buscavam opções num raio de 40 quilômetros. Os hotéis haviam se multiplicado. Quem transitasse pelo sul de Minas, tinha que bater ponto em Santa Rita. Com a descoberta do novo potencial, o Inatel, com seus 27 cursos, criou uma faculdade de Turismo e abriu um hotel para treinamentos, no luxuoso prédio onde, décadas antes, fora um hospital que não vingou.

A caminho do Inatel Inn, nosso correspondente passou pela antiga praça do Murilo e viu algo que o encantou. Estava bem mudada. Um canhão de artilharia fora instalado no centro da pracinha e cada banco de granito levava o nome de um combatente. “Praça dos expedicionários”, disse um homem gordo e de bigode que transitava por ali. “Já passou pelas outras praças? Cada uma foi adotada por uma empresa que expõe seus produtos a quem passa por aqui!” – completou.

A avenida Beira Rio estava bem mais bonita do que de costume. Construíram uma concha acústica ao lado da ponte nova. Quem quisesse se apresentar encontrava uma tomada para conectar o equipamento e lucrava através da contribuição dos expectadores. Havia uma feirinha de produtos orgânicos, montada ao lado. Um bom número de pessoas esperava pela chegada das garças, por volta das seis da tarde. “Tornou-se um ritual. Quem passa por Santa Rita e não vê o pouso das garças não pode dizer que esteve aqui.” – disse um senhorinha que vendia camisetas com estampas das aves. Detrás das árvores, na margem oposta do rio, havia uma espécie de barracão, o que chamou a atenção do jornalista. Enquanto pesava limões cravo para uma menina em uniforme escolar, a quitandeira contou a história: “Alguém percebeu que o movimento do Mandu Shopping girava em torno dos restaurantes e teve uma ideia. Se ainda não podíamos ter um lugar como aquele, porque não criar uma praça de alimentação?” A iniciativa havia sido um sucesso. Santa Rita deu espaço a novas investidas culinárias e passou a atrair freguezes da região. Tal empreendimento foi como um balde de água fria ao Shopping FarimBrech (Faria & Brechó) que já estava em fase de aterramento. A prefeitura até cogitou comprar o lote, mas usou um terreno ao lado da Hitachi para tirar a penitenciária do coração da Nova Cidade.
Por falar em Nova Cidade, o antigo bairro havia se transformado em um amontoado de edifícios e indústrias não poluentes. O velho presídio deu lugar a uma biblioteca, ganhou academia e um pequeno espaço de shows. Tudo obra de um garoto do bairro que criou uma das maiores indústrias de games do país e devolveu à comunidade, um pouco do que conquistou.

Foi iniciativa de um outro prefeito a transformação do Centro de Eventos em um parque municipal. O homem ampliou o terreno, plantou árvores e deixou pronto um projeto para a construção de um lago com pedalinhos. Rodeado de quiosques, o espaço era muito concorrido entre a população que buscava um local de descanso nos fins de tarde.
Em Santa Rita de 2036, o número de carros havia aumentado por conta das quase 500 indústrias de alta tecnologia que empregavam gente de 6 ou 7 cidades. A conversão das vias para mão única, entretanto, permitiu que os carros pudessem estacionar na transversal e facilitou o trânsito no município. Com a municipalização do trânsito, aliás, marronzinhos passaram a fiscalizar os pontos de zona azul e a cidade utilizou os lucros na manutenção do hospital.

Os casarões da praça da Matriz já não existiam. Deram lugar a edifícios sem personalidade que tornaram o lugar moderno e sem graça. Havia um festival acontecendo bem em frente à estátua do velho Chico. Pessoas estavam sentadas nos gramados e uma banda de idosos tocava blues com um baixista tatuado da cabeça aos pés, com cabelos brancos e pernas compridas sobre o amplificador.

Nosso correspondente soube que a cidade também havia se tornado referência na produção de eventos e festivais. Naquele ano, o Bloco do Urso contou com a presença de três estrelas pop americanas e o Cidade Criativa entrou no roteiro dos grandes eventos mundiais.
De volta a 2016, nosso repórter percebeu que a cidade havia encontrado uma oportunidade de construir o futuro, sem esquecer o passado. Bom insight para um local onde tecnologia e essência se fundem, traçando ideias em torno do bem.

(Carlos Romero Carneiro)

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